Apenas 30% dos jornalistas de dados trabalham com cobertura local
Pesquisa aponta problemas de acesso e de baixa qualidade nos dados locais
A cada dez jornalistas de dados que existem no mundo hoje, apenas três trabalham em veículos locais. É o que aponta uma pesquisa do site Datajournalism.com, criado pelo Centro Europeu de Jornalismo. “Considerando que a nossa definição de notícias locais foi bastante vasta, incluindo coberturas a nível municipal, regional ou estadual, é bastante notável ver um nível tão pequeno de engajamento em notícias locais”, afirma o relatório.
Das 1.843 respostas enviadas por pessoas de todo o mundo, apenas 388 trabalhavam com cobertura local. Há muito mais jornalistas de dados trabalhando com histórias no âmbito nacional (651) e internacional (531). O que indica uma tendência clara: o jornalismo de dados que fazemos no mundo é muito pouco local.
Há duas hipóteses colocadas pela pesquisa para tentar explicar esse resultado. A primeira delas é que o jornalismo de dados pode ser menos utilizado em redações menores, com foco regional. A segunda é que a produção de notícias usando essas técnicas pode ser limitada pela disponibilidade de dados locais confiáveis.
Dos 31 países com mais jornalistas ouvidos na pesquisa, apenas em cinco o acesso ao dado local é apontado como muito bom por mais de 10% dos entrevistados: Finlândia (30%), Suécia (27%), Dinamarca (25%), Reino Unido (13%) e Estados Unidos (12%). Cenário similar ocorre quando é analisada a qualidade dos dados locais: Suíça (42%), Dinamarca (42%), Suécia (33%), Finlândia (30%), e Reino Unido (13%) são os únicos que superam mais de 10% de resultados “muito bons”.
Entre os brasileiros, 41% afirmaram que os dados em nível local a que tem acesso são ruins ou muito ruins. Outros 32% os consideram bons ou muito bons. No País, 36% disseram que o acesso a dados locais é ruim ou muito ruim; contra 32% na soma de bom ou muito bom.
O Brasil
Uma pesquisa que olha para o mundo todo pode deixar escapar muita coisa sobre as especificidades locais. O português, por exemplo, sequer era uma das quatro línguas em que o formulário ficou disponível. Mesmo assim, o jornalismo de dados feito em território nacional também carece de um olhar mais local.
Um estudo publicado em 2019 para tentar mapear a presença de jornalismo de dados no Brasil mostrou que 69,2% dos veículos que já haviam utilizado essa prática estavam localizados em apenas duas cidades: São Paulo e Rio de Janeiro. Juntas, elas concentravam 36 das 52 organizações de mídia mapeadas na época. Um dado importante: só duas delas estavam em Pernambuco: o Jornal do Commercio e a Marco Zero Conteúdo.
“Essa concentração nas grandes capitais do País traz um problema muito grande. Primeiro, quem está exposto ao jornalismo de dados e à informação acaba sendo as pessoas que já têm um acesso maior à educação. E a gente não tem uma popularização do jornalismo de dados. Segundo que, com a Lei de Acesso à Informação, a gente pode ter dado de municípios e de outros estados, mas acabamos produzindo reportagens muito focadas a nível nacional ou a nível dessas cidades: São Paulo, Rio e, agora, Brasília. Isso limita muito a produção jornalística, deixando muitas áreas e muitas regiões abandonadas”, explicou à Catolé o pesquisador Mathias Felipe de Lima Santos, autor do estudo de 2019.
Hoje pesquisador do Observatório de Mídias Digitais e Sociedade da Universidade Federal de São Paulo, Mathias diz acreditar que a tendência é que, nos próximos anos, existam mais locais produzindo jornalismo com base em dados e programação. Mas, antes, é preciso vencer alguns desafios. “Principalmente, o desafio educacional. As faculdades brasileiras não estão preparadas ainda para treinar o jornalista para produzir além do tradicional. Tem muita universidade que está focada ainda naquela produção antiga, de revista ou do impresso, que hoje não tem tanta força”, lembra.
O futuro
Perguntei a Mathias se podemos imaginar um cenário em que os veículos locais tenham profissionais treinados para trabalhar com dados; ou se essa ainda é uma realidade muito distante. “Acho que a tendência, sim, é que tenha mais produção baseada em dados. Eu não sei se a solução será mais profissionais, se esses veículos locais vão ter condições de ter profissionais dedicados a isso, ou se vamos ter perfis mais híbridos, o jornalista que acaba conhecendo mais (do trabalho com dados). Acho que um caminho muito discutido na academia é que, no futuro, o jornalismo de dados vai deixar de ser aquele núcleo especializado, aquela equipe de dados, e vão ter mais profissionais que vão abraçar esse conhecimento”, ele me responde.
Outro cenário que ele vislumbra como possível é que os veículos locais possam utilizar soluções automatizadas, que facilitem o trabalho com dados. “Ao invés de ter grandes reportagens investigativas, como a gente vê nesses veículos grandes, como a Folha, o New York Times, via muito no Estadão, a gente vai ter mais aquela reportagem que é automatizada. E que é só um template, um padrãozinho que eles (os veículos menores) vão seguindo e colocando os dados”, projeta.
Modelos similares já estão sendo testados na Alemanha e no Reino Unido. Na visão de Mathias, é possível que alguma empresa passe a oferecer esse tipo de serviço ou que vários jornais se unam para construir essa ferramenta. “Ainda tem muito a desenvolver (nessa área)”, diz.
Cota parlamentar: Só em 2021, os deputados federais de Pernambuco gastaram mais de R$ 9 milhões com a cota parlamentar, recurso para cobrir despesas da atividade legislativa. O número representa uma despesa 17% maior do que a do ano anterior. O mergulho nessas cifras foi feito pela repórter Mirella Araújo, do JC. Só os gastos com divulgação e com aluguel de veículos dos 25 deputados pernambucanos somam quase R$ 4 milhões.