A urgência de fazer jornalismo de dados local no Nordeste
Esta é a certidão de nascimento da Catolé. Sua raiz. A partir de amanhã, os frutos
Se você está lendo isso, você acreditou na Catolé antes dela nascer (a primeira edição chega no seu e-mail amanhã). Muito obrigado. Nós construímos esse projeto juntos. O texto a seguir foi publicado originalmente em inglês no blog Journalism Innovation. Ele é uma certidão de nascimento da Catolé. Sua raiz. A partir de amanhã, os frutos.
“Trabalhar com dados me empoderou. Agora, eu não preciso confiar em tudo o que um político me diz. Eu posso descobrir por conta própria se aquilo é verdade”, me disse uma jornalista, enquanto eu a entrevistava para esta newsletter. Essa frase me lembrou de muitas coisas. Eu comecei a pensar e aprender sobre o uso de jornalismo de dados em 2017, quando eu tive que trabalhar com uma base de dados para mostrar que alguns legisladores estaduais contrataram empresas fantasmas. Ser capaz de analisar aquelas planilhas me permitiu contar aquela história e pressioná-los a devolver R$ 1,7 milhão aos cofres públicos. Meses depois, um advogado me ligou para falar sobre aquela cobertura. Ele não queria me processar, mas fundar uma ONG inspirada no meu trabalho.
Desde então, a vida me mostrou várias e várias vezes como o jornalismo de dados local é importante. Como ele é uma ferramenta poderosa para mudar realidades. O que é ainda mais necessário quando você vive num lugar como o que eu vivo. O Nordeste brasileiro reúne nove estados que enfrentam problemas históricos com a fome e com o acesso à água. Nós temos a segunda maior população do país, mas também o menor IDH e o maior número de deserto de notícias (73,5% das cidades não tem nenhum serviço jornalístico local).
Se usar dados para reportar problemas pode criar um impacto enorme em Nova Iorque, imagine o tipo de transformação pública que isso pode gerar em comunidades como estas. E, ainda assim, é algo incrivelmente difícil de fazer. O Brasil tem uma extensa produção em jornalismo de dados, mas ela está quase totalmente concentrada em São Paulo e no Rio de Janeiro. Em Recife, onde eu vivo, projetos históricos, como o PE Body Count e o #UmaPorUma, tendem a desaparecer depois de um ou dois anos. E o know how que eles geram se perde, uma vez que os profissionais envolvidos são demitidos por causa do enxugamento das redações.
Quando eu entrei no Entrepreneurial Journalism Creators Program, meu desafio autoimposto era ajudar a preencher esse vácuo. Durante os últimos 100 dias, eu encontrei algumas respostas que eu estou ansioso para testar nos próximos meses (e, sim, a lógica de testar e adaptar minhas ideias foi algo que eu aprendi logo no início dessa experiência).
O primeiro objetivo da Catolé é criar uma plataforma para colaborar com organizações jornalísticas digitais independentes no Nordeste, começando por Pernambuco. Por que eles? Primeiro, porque eles precisam de mais ajuda que os jornais tradicionais. Segundo, porque eles estão buscando novos meios de produzir jornalismo investigativo, como eu aprendi trabalhando com a Agência Retruco.
O segundo foco é a criação desta newsletter. Ela vai alimentar o nosso primeiro objetivo. Não apenas porque através dela eu posso atingir novas audiências. Mas porque escrever sobre esse tópico pode encorajar as pessoas a trabalhar com isso, colocá-las em contato umas com as outras, cultivando e crescendo, um passo de cada vez, esse ambiente de dados. Porque nós só seremos poderosos juntos.
E não me levem a mal, jornalistas no Rio e em São Paulo estão fazendo um excelente trabalho com dados. Mas problemas locais precisam de reportagens locais. E o jornalismo de dados local será essencial no futuro próximo.
Mas, afinal, o que significa “Catolé”? Eu sei que você pode estar se perguntando. Catolé é uma palmeira comum no Nordeste. Mas ela é mais do que isso. A madeira, as folhas e os frutos da catolé construíram e alimentaram o Quilombo dos Palmares, o maior levante anti-escravidão da história brasileira. Eu nasci na cidade que foi sede de Palmares. Eu carrego o sangue deles nas minhas veias. Esta Catolé é o que eu vou usar para lutar por aquilo que eu acredito. E nós estamos apenas começando...
A urgência de fazer jornalismo de dados local no Nordeste
Incrível! Orgulhosa de acompanhar este nascimento e ansiosa pelos frutos que virão. Vida longa à Catolé!