Dados para compreender a violência entre jovens na Grande Recife
Jeniffer Oliveira conta como foi participar do Laboratório de Dados da Marco Zero e Fogo Cruzado
Em uma tarde de apuração, rotineira na produção da TV Jornal - onde estagiei por dois anos, peguei um homicídio de um jovem com cerca de 18 anos próximo à rua onde moram meus avós, no Alto da Bondade, periferia de Olinda. Fiquei intrigada, contatei alguns amigos da adolescência e logo veio a notícia: a morte era de um colega que eu vi crescer. O perfil era o da maioria de mortos do Brasil, jovem e negro. Aquele acontecimento mexeu comigo de tal maneira que ficou em minha cabeça por vários e vários dias. Como pode alguém que cresceu comigo perder a vida de forma tão precoce e violenta?
Os meses passaram e a vida seguiu, mas, inconscientemente, meu olhar se atentou aos perfis das mortes que surgiam depois daquela que havia me marcado. Até que foi lançado o edital para o Laboratório de Dados em Narrativas Jornalísticas, um projeto criado por uma parceria entre o Instituto Fogo Cruzado, a Marco Zero Conteúdo, a Escola de Comunicação da Universidade Católica de Pernambuco e a Fundação Friedrich Ebert Brasil, que propunha uma reportagem sobre segurança pública e violência armada aqui em Pernambuco.
Com essa oportunidade, me veio à memória o colega perdido e a ideia de identificar o perfil dos jovens que mais morrem na Região Metropolitana do Recife. Eu e mais quatro jornalistas e comunicadores fomos selecionados para participar dessa iniciativa. E o primeiro ponto que eu posso destacar é que o período de oficina foi essencial para aprofundar o conhecimento que eu tinha sobre a visualização e análise de dados.
Na reportagem “Sonhos perdidos: jovens adultos são as maiores vítimas de arma de fogo no Grande Recife”, eu me propus a buscar esse perfil analisando o padrão das mortes nos últimos quatro anos, entre jovens de 18 a 24 anos. Durante a investigação foi possível identificar que 10% dos municípios com mais de 100 mil habitantes que possuem a taxa de mortes violentas intencionais acima da média nacional são de Pernambuco. Além disso, a Região Metropolitana segue a tendência nacional com a maioria das vítimas sendo homens e negros. Nesse recorte de faixa etária, a idade mais perigosa são os 20 anos de idade. Também pude fazer uma análise dessa violência para os adolescentes que estão prestes a entrar na vida adulta, o padrão se repete. Não é seguro ser jovem por aqui.
Descobri que existem mais maneiras de cobrir assuntos relacionados à segurança pública do que eu imaginava, nesta reportagem, por exemplo, foram utilizadas três bases de dados: o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, a Secretaria de Defesa Social de Pernambuco e a plataforma do Fogo Cruzado. Mas, as secretarias de saúde e o DataSUS também contém informações importantes para esse tipo de abordagem. Os melhores caminhos para uma reportagem investigativa, sem dúvidas, são as coletas independentes, pois proporcionam maior autonomia no manuseio das informações. Os dados abertos da SDS, por exemplo, não forneciam o artefato utilizado no crime nem a raça/cor das vítimas. Então, a assessoria de imprensa foi uma alternativa para conseguir as informações.
Na ausência de dados oficiais, também é possível fazer o próprio levantamento para chegar em uma amostragem de dados. A repórter Nathália Dielú utilizou dessa estratégia para produzir a reportagem “O baculejo tem cor” e entrevistou jovens das comunidades Bomba do Hemetério e Córrego do Jenipapo, para descobrir o índice de abordagens truculentas pela Polícia Militar de Pernambuco sofridos por moradores da região.
Hoje, não consigo enxergar um jornalismo sem a presença da compreensão de análises de dados, mesmo que mínima. Assim como já fazemos, enxergando possibilidades de histórias e pautas nos mais diversos espaços da vida, podemos seguir com o olhar atento para enxergar também as possibilidades que a tecnologia pode trazer para a produção jornalística para além das métricas e views. A Lei de Acesso à Informação, as plataformas de dados abertos e de checagem, por exemplo, precisam ser vistas por todos os jornalistas como ferramentas essenciais de trabalho, independente da área da atuação. Sempre vai ter algo que pode ser trabalhado no universo dos dados.