Na pandemia, Saúde leva 5 meses para atender LAI; depois de responder sem anexo
Desde o primeiro trimestre de 2019, o percentual de pedidos respondidos pela SES está sempre abaixo da média do Estado
Pela lei, um pedido de acesso à informação tem que ser respondido em um mês. Mas se você depender da Secretaria de Saúde de Pernambuco, talvez você precise entrar com alguns recursos, receber respostas sem anexo e viralizar no Twitter pra conseguir dados sobre a Covid-19 que deveriam ser públicos.
Era 13 de janeiro deste ano, quando o jornalista Diogo Cavalcante entrou com dois pedidos de acesso à informação junto à Secretaria de Saúde de Pernambuco. Ele queria saber quantas mortes por Covid-19 ocorreram em cada hospital, público ou privado, sediado no Estado. Pela Lei de Acesso à Informação (LAI), órgãos públicos têm 20 dias para responder esse tipo de pedido. Se a resposta for mais complexa, o prazo pode ser prorrogado em mais dez dias. Não deveria, portanto, passar de um mês. Não foi o que aconteceu.
O prazo dado pela LAI se encerrou sem que houvesse nenhuma resposta. A lei determina que o governo pode até negar o pedido, se houverem informações sigilosas (não era o caso), mas não deixar de responder. Por isso, Diogo entrou com um recurso na própria SES no dia 16 de fevereiro. Quando isso acontece, a regra diz que o órgão precisa se manifestar em cinco dias. Te dou o tempo até o próximo parágrafo para você adivinhar se o prazo foi cumprido.
Não, não foi. Em 21 de março, Diogo entrou com um segundo recurso. Dessa vez, ao Comitê de Acesso à Informação (CAI), um braço da Controladoria-Geral do Estado (CGE) criado para fazer cumprir a legislação. Em 12 de abril, o comitê disse que era preciso responder ao jornalista. Dezessete dias depois, a SES finalmente enviou um e-mail dizendo que a resposta de um dos pedidos estava em anexo. Não havia anexo.
O episódio parece ser um daqueles casos atípicos de insucesso, mas infelizmente não é. Desde o primeiro trimestre de 2019, quando a CGE passou a divulgar o índice de resolubilidade da LAI pelos órgãos públicos de Pernambuco, o percentual de pedidos respondidos pela SES está sempre abaixo da média do Estado (confira os relatórios). O desempenho piorou na pandemia. Nos primeiros três meses deste ano, último período divulgado, apenas 26,56% dos pedidos foram respondidos.
No caso de Diogo, as informações só vieram depois que ele desabafou no Twitter. Como ele (que já trabalhou para UOL, JC, Diario e Folha de Pernambuco) tem um número considerável de seguidores, uma servidora da CGE viu a publicação e entrou em contato por inbox para entender melhor o que tinha acontecido. O procedimento, como você pode imaginar, não é regulamentado pela legislação. Mas foi o que resolveu. A resposta de um dos pedidos veio em 18 de maio. A do segundo, em 7 de junho. O que, pela lei, levaria 20 dias se transformou em um longo processo de cinco meses.
“O que me incomodava não era nem o fato de eu não ter acesso ao dado, era a falta de respostas. Porque por mais que eu entenda que a gente está numa situação de pandemia, num estado de exceção total, existe uma lei para ser cumprida e a Secretaria de Saúde nem sequer prestava satisfação. Nem para dizer um não, sabe? Se você quer negar (o acesso), negue. Mas pelo menos diga. E nem a negativa vinha. Ficava lá em aberto, mesmo com o prazo descumprido”, diz o jornalista.
Ele conta que pedidos de LAI feitos às secretarias de Defesa Social e Desenvolvimento Urbano eram respondidos dentro do prazo e, quando havia negativa, ela era justificada pelas pastas, como manda a lei. Com a SES, porém, a situação é sempre mais complicada. Em 21 de junho de 2020, ele já havia feito outro pedido que não foi respondido. Após dois recursos, a resposta só veio no dia 11 de setembro. A matéria nunca saiu. “Eu recebi a lista no mesmo dia em que eu pedi demissão do Diario. Aí já era tarde”, explica.
Um dos motivos pode ser a sobrecarga de trabalho dos servidores. Ela seria mais justificável em abril ou maio de 2020, quando a chegada do vírus mudou todas as rotinas de trabalho. Um ano depois, porém, era de se esperar que a pasta tivesse criado uma dinâmica para cumprir a legislação vigente. A SES foi procurada por e-mail no dia 28 de julho para comentar o episódio e explicar que tipo de medidas foram adotadas durante a pandemia para atender os pedidos. Não houve resposta.
Entre abril de 2020 e março de 2021, a secretaria recebeu, em média, 18,9 pedidos de acesso à informação por mês, de acordo com o balanço periódico da CGE. Nos 12 meses anteriores, entre abril de 2019 e março de 2020, a média era de 15,4 pedidos mensais.
Quando a pandemia chegou no País, em março de 2020, o governo federal editou uma Medida Provisória suspendendo os prazos para atendimento da LAI. Mas no mês seguinte, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou a norma inconstitucional. Mais que isso, os ministros entenderam que o texto transformava “a regra constitucional de publicidade e transparência em exceção, invertendo a finalidade da proteção constitucional ao livre acesso de informações a toda a sociedade”. A ação que pediu a revogação da MP foi movida pelo PSB, partido do qual o governador Paulo Câmara é vice-presidente nacional.
Domingo de Dados: Este último espaço será destinado a dicas e sugestões. E a primeira delas é a 3ª edição do Domingo de Dados, que encerra a programação do Congresso da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo). O evento vai ter palestras e oficinas, inclusive voltadas para iniciantes no trabalho com dados. Pra mim, o destaque é a mesa com o professor Paul Bradshaw, diretor do mestrado em jornalismo de dados da Birmingham City University, no Reino Unido, sobre o desafio para a formação de novos profissionais nessa área. Você pode fazer a inscrição gratuita aqui para o Domingo de Dados e aqui para os demais dias do Congresso.