Por que assessores (também) deveriam aprender a trabalhar com dados?
Manoel Medeiros Neto explica como usa dados públicos no dia a dia como assessor parlamentar
Em novembro do ano passado, eu estava dando uma palestra para estudantes de uma faculdade da Bahia quando uma aluna enviou o seguinte comentário no chat: “Não tenho interesse por jornalismo de dados, meu objetivo é ser assessora de imprensa”.
Confesso que aquele comentário me pegou desprevenido. Até ali, eu tinha passado 50 minutos tentando mostrar como a empresa que eu trabalho evoluiu no uso de dados para reportagens e como era importante que mais pessoas se voltassem para este campo.
O argumento daquela aluna, porém, é muito válido. Eu falava do ponto de vista de quem trabalha em um veículo de mídia tradicional que poucos dos estudantes na faculdade hoje vão experimentar. A vida real inclui demissões em massa, fechamento de empresas e encolhimento contínuo das redações.
Acontece que analisar dados é uma habilidade, não um posto de trabalho. “É como editar um vídeo. Você pode fazer um vídeo para o jornal que você trabalha ou para o cliente que você assessora. Editar vídeo é útil em qualquer um dos lados do balcão. Além de ser uma habilidade a mais que você pode oferecer; um diferencial. Mexer com dados é a mesma coisa”, foi a minha resposta.
Eu acredito em cada palavra. Mas, olhando em retrospecto, não sei se ela acreditou. É fácil ver como a edição de vídeo pode ser útil para um assessor de imprensa. No caso do trabalho com dados, talvez a resposta não seja tão óbvia.
Por isso, nesta edição da Catolé, eu queria contar um pouco da história de Manoel Medeiros Neto, jornalista e assessor parlamentar na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe).
Manoel era estagiário de Política no Jornal do Commercio entre 2009 e 2010; justamente o período em que órgãos públicos de todo o País começavam a ser obrigados a disponibilizar dados sobre as contas públicas na Internet. Essa salto na prestação do serviço público, que teve início em maio de 2009 com a obrigação de criação dos portais da transparência, seria concluído em novembro de 2011, com o surgimento da Lei de Acesso à Informação (LAI).
“Não me interessava apenas o disse me disse da política, que sem dúvidas tem sua relevância, mas aferir a partir de números do orçamento, por exemplo, as ações que um gestor, um parlamentar, um representante popular efetivamente realizava além do discurso. Me aprofundar naqueles dados oferecia a mim como repórter e sobretudo ao leitor algo mais concreto, algo mais próximo do que conhecemos literalmente como um fato”, conta Manoel.
Esse conhecimento não se perdeu depois. “Não enxergo meu trabalho como assessor parlamentar sem ter como subsídio principal o acesso às plataformas de dados públicos. Além das tarefas básicas de assessoria e planejamento do mandato em conjunto com a equipe, buscar as informações nas fontes primárias, como o Diário Oficial, os portais de transparência e as plataformas de dados do Tesouro Nacional, por exemplo, possibilitam acesso a conteúdos que não estão na superfície e que vêm à tona de forma antecipada e de alguma forma exclusiva”, ele diz.
Quer um exemplo prático? Em 2020, durante a primeira onda da pandemia, a deputada estadual Priscila Krause (DEM), que ele assessora, fez um acompanhamento minucioso dos gastos da Prefeitura do Recife, acompanhando diariamente o que era lançado nos portais de dados públicos da Capital e do Ministério da Saúde.
As compras feitas naquela época eram tão descoladas da realidade que, confrontada pela fiscalização, a prefeitura teve que doar os insumos para que eles (literalmente) não estragassem. Mais de um terço do Propofol comprado pelo Recife foi usado por pacientes de outros estados.
Para Manoel, não há dúvida que o trabalho com dados públicos aumenta a repercussão da atuação da parlamentar que ele assessora. “Se através dos dados públicos e das conclusões levantadas a partir deles conseguimos pautar uma sessão no plenário, uma pauta na imprensa, um questionamento ao governo, estamos ratificando a importância do trabalho do parlamentar no contexto da política local”, lembra.
“Mas é importante observar que apesar de ser um trabalho que cabe a todos os parlamentares, de governo ou de oposição, tenho a oportunidade de estar vinculado a um mandato que tem a visão da importância da fiscalização e do orçamento público como caminhos de efetivação de políticas públicas. Se não houvesse esse interesse e esse encaminhamento, muito ficaria pelo caminho”, adverte, porém.
Tina: Falando em acompanhar os gastos da Prefeitura do Recife, a cidade lançou, no finalzinho do ano passado, a Tina, uma assistente virtual para tentar facilitar o acesso ao Portal da Transparência. A nova ferramenta também permitiu que, pela primeira vez, os cidadãos pudessem tirar dúvidas sobre o uso do site 24 horas por dia. Você pode saber mais sobre o desenvolvimento da Tina e como acessá-la nesta matéria de Renata Monteiro.