Tudo o que você precisa saber sobre pesquisas eleitorais
Margem de erro? Rejeição? Entenda como funcionam os levantamentos de intenção de voto
Estamos a menos de seis meses da eleição e, a partir de agora, pesquisas de intenção de voto vão se tornar pauta cada vez mais frequente no noticiário e no debate público. Pensando nisso, a Catolé vai destrinchar os principais tópicos que você precisa ter em mente na hora de escrever sobre elas. Nesta edição, também vamos responder às perguntas de vocês.
Lembrando que todas as dicas que demos em setembro do ano passado sobre como NÃO mentir usando gráficos valem para a hora de escrever sobre as pesquisas eleitorais também. Aquele texto, inclusive, foi inspirado nas formas erradas como os candidatos divulgavam os resultados dos levantamentos na campanha municipal de 2020. E já vi gente fazendo parecido este ano.
Enquete não é pesquisa: Antes de tudo, vamos falar do que é pesquisas e do que não é. Uma pesquisa de intenção de voto ou de opinião pública considera aspectos estatísticos da população que ela quer retratar na hora de montar a amostra. O que isso significa? Pense que um instituto como o Ipec quer fazer uma pesquisa sobre a eleição na Bahia. Lá, segundo o Tribunal Regional Eleitoral, 53% do eleitorado é feminino. Então, na hora de ir à rua, 53% dos entrevistados do Ipec serão mulheres; para garantir que aquela amostra entrevistada seja representativa do estado. A mesma preocupação vale para cor e raça, idade e até pela distribuição da população entre a capital e o interior no território baiano. É esse cuidado em fazer com que os entrevistados representem a população que garante a confiabilidade da pesquisa.
Na enquete, nada disso acontece. Se entre o público que responder a enquete, 80% for homens, um candidato como o presidente Jair Bolsonaro (PL), que tem menos apoio no eleitorado feminino, pode sair na vantagem, simplesmente porque os dados não refletem o eleitorado. Outros vieses são mais fáceis de serem percebidos. Se o PT da Bahia perguntar no Twitter em quem as pessoas vão votar para presidente, provavelmente o resultado será super favorável ao ex-presidente Lula (PT). Mas isso não quer dizer que Lula seja uma unanimidade entre a população baiana. O que acontece é que os seguidores do PT são, em sua esmagadora maioria, favoráveis a ele; o que distorceria o resultado.
Por fim, lembre-se que a divulgação de enquetes de intenção de voto é proibida em ano eleitoral.
Comício (e motociata) também não é pesquisa: Há duas semanas, uma pessoa me perguntou: como Bolsonaro pode estar tão mal nas pesquisas se, toda vez que ele faz uma motociata, milhares de pessoas aparecem para segui-lo? Essa pergunta parte de duas premissas erradas. Primeiro, o atual presidente não está mal nas pesquisas. A última Datafolha, de 24 de março, mostra o presidente com 26% das intenções de voto; num segundo lugar bastante confortável. A soma de todos os candidatos da chamada “terceira via” era de 21%.
Segundo, o que esse número realmente significa? Normalmente, costumamos pensar em eleição em termos de vencedores e perdedores. Mas elas também revelam o tamanho do apoio popular a determinadas ideias e agendas. O Brasil tem hoje 146,3 milhões de eleitores, de acordo com a Justiça Eleitoral. Se 26% apoiam o presidente, significa que Bolsonaro tem algo em torno de 38,5 milhões de eleitores em todo o país. Isso é mais do que suficiente para reunir milhares de pessoas num comício ou numa motociata. Mas pode não ser o bastante para ganhar uma eleição presidencial.
Como saber quais pesquisas foram feitas? Agora que você já sabe a importância de uma pesquisa correta, como saber quais delas foram feitas? É comum durante a campanha - principalmente na reta final - que levantamentos duvidosos comecem a circular nas redes sociais. Mas é fácil descobrir o que é real e o que não é. Em ano de eleição, todos os institutos precisam registrar as pesquisas e as metodologias na Justiça Eleitoral. No site do TSE, é possível consultar todas elas, filtrando por eleição, estado ou até pelo instituto específico. A imagem abaixo, por exemplo, mostra todas as pesquisas registradas no Piauí até ontem.
Se você clicar na lupa, é possível ver detalhes sobre como cada levantamento foi feito. Incluindo quantas pessoas foram entrevistadas, em que cidades, quem contratou a pesquisa, quanto pagou e uma série de outros detalhes. Se atente, por exemplo, às datas da pesquisa do PoderData, instituto de pesquisa do site Poder360. Ela foi feita entre os dias 17 e 19 de fevereiro - há quase dois meses. Isso também é importante porque, às vezes, mesmo que a pesquisa que está circulando nas redes sociais seja verdadeira, ela pode não representar mais o cenário da eleição naquele estado, que pode ter mudado desde que as pessoas foram entrevistadas.
Espontânea ou estimulada: Em geral, institutos de pesquisas fazem dois tipos de perguntas aos entrevistados. A primeira é: em quem você votaria? Esse primeiro questionamento, geralmente, não vem acompanhado de opções. Ele mede o recall de um candidato; o quanto as pessoas se lembram que aquele político está querendo disputar uma eleição. O resultado é chamado de pesquisa espontânea. A segunda é: entre essas opções aqui, em quem você votaria? Agora, o eleitor é apresentado à lista de (pré-)candidatos atual; geralmente apresentada em um disco porque, em uma lista normal, alguns nomes seriam vistos primeiro que outros. Esse resultado é chamado de pesquisa estimulada. Ele mede melhor a intenção de voto porque subentende-se que até o dia da votação, com a campanha eleitoral na rua, no rádio e na TV, o eleitor vai saber quem são todos os candidatos.
É preciso entender bem o que cada uma dessas pesquisas significa. Em janeiro, um jornalista famoso questionou porque Bolsonaro aparecia com mais intenção de voto na pesquisa espontânea do que na estimulada, em um levantamento do Ipespe. A princípio, pode parecer estranho que o eleitor declare voto no presidente espontaneamente e, depois, ao conhecer a lista de candidatos, desista. Mas não é. Semanas antes, o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro (hoje no União Brasil) havia se filiado ao Podemos para ser pré-candidato ao Palácio do Planalto. Uma das hipóteses é que o eleitor, sem saber que Moro seria candidato, optava espontaneamente por Bolsonaro. Ao descobrir que o ex-juiz estava no páreo, porém, decidia migrar para ele. Nenhum dos cenários é incorreto, eles só medem coisas diferentes.
Não compare pesquisas diferentes: A menos que você seja um cientista político que entenda muito do comportamento do eleitor, evite comparar pesquisas diferentes. Isso vale principalmente para levantamentos de diferentes institutos, já que cada um tem a sua própria metodologia. Um pode entrevistar as pessoas na rua e outro por telefone. Um pode visitar 15 municípios do estado e o outro, 20. Mas fique atento para pesquisas diferentes também entre os mesmos institutos.
Vamos voltar ao exemplo de Moro, que retirou (ao menos temporariamente) sua pré-candidatura ao Planalto ao trocar o Podemos pelo União Brasil. Certamente, a próxima rodada de pesquisas eleitorais vai testar o cenário da corrida presidencial sem o nome dele. A tentação de 10 em cada 10 repórteres vai ser comparar o novo número com a pesquisa anterior; saber quem mais ganha e quem mais perde com a saída dele do páreo. Mas, na prática, essa comparação é mais complexa. Como vimos no tópico acima, a presença ou não de um candidato na lista de opções pode mudar totalmente o comportamento do eleitor. Lembre-se: o eleitor escolhe entre as opções que estão postas. Então, em tese, nós só poderíamos comparar a nova pesquisa a algum levantamento anterior que já tivesse testado um cenário eleitoral sem a presença de Moro.
Pesquisas erram ou acertam? Essa verificação do Projeto Comprova mostra que as pesquisas de 2018 estavam muito próximas do resultado das urnas. Ao olhar para levantamentos do tipo, porém, é preciso ter em mente sempre duas coisas. Uma, pesquisas sempre representam o momento em que são feitas e, portanto, o cenário político pode mudar. Duas, é sabido que muitos eleitores decidem seu voto nas últimas horas antes de se confrontar com a urna. Quantas vezes você não viu um parente que queria muito votar no candidato A, mas para evitar que o partido B chegue ao poder, vai apoiar o candidato C? Por isso, quanto mais distante da data da eleição, mas sujeito a mudança um levantamento vai estar.
Margem de erro e nível de confiança Ao fazer uma pesquisa de intenção de voto em Pernambuco, é impossível entrevistar os 6,7 milhões de eleitores do estado. Então, o que os institutos fazem é procurar uma amostra. Cálculos estatísticos ajudam a determinar quanto e com que grau de confiança o resultado daquela amostra pode ser extrapolado para o total de eleitores e isso depende, entre outras coisas, da quantidade de pessoas ouvidas. Assim, o número da pesquisa (por mais sólida que ela seja) é sempre uma estimativa.
A margem de erro, então, é o grau de incerteza dessa estimativa. Por exemplo, digamos que em um determinado levantamento o candidato Pedro apareceu com 10% e o candidato Thiago, com 5%. A margem de erro dessa pesquisa é de 3%. Isso significa que Pedro está à frente de Thiago, certo? Não. Os dois estão tecnicamente empatados porque, de acordo com a margem de erro, Pedro pode ter entre 7% e 13%. Já Thiago, pode ter entre 2% e 8%. Na prática, o que a pesquisa está dizendo é que Thiago tem uma chance de ter até mais votos que Pedro.
E o que é o nível de confiança? Bom, é exatamente o que ele diz ser. Se uma pesquisa tem nível de confiança de 98%, quer dizer que os números têm 98% de chances de estarem certos, considerando a margem de erro.
Pesquisas qualitativas Tudo o que foi falado acima foi sobre pesquisas quantitativas, aquelas que medem numericamente as posições dos candidatos. Mas também existem as pesquisas qualitativas, geralmente encomendadas internamente pelas campanhas, para entender como as pessoas enxergam um candidato, suas propostas ou os adversários num nível um pouco mais subjetivo. Aqui, vale um adendo, mesmo pesquisas quantitativas, quando encomendadas para consumo interno das campanhas, não devem ser divulgadas. Se elas não foram registradas, não estão sujeitas à mesma transparência das demais em relação a metodologia, número de entrevistados, margem de erro e nível de confiança. Por isso, é altamente arriscado publicá-las, por você corre o risco de incorrer em erros.
Agora, vamos às perguntas enviadas pelos leitores da Catolé...
Qual o tamanho de uma amostra confiável para uma pesquisa eleitoral presidencial? Normalmente, pesquisas presidenciais ouvem pelo menos 2 mil eleitores. Se a metodologia for bem feita, isso já é suficiente para que a margem de erro seja de 2 pontos percentuais (relativamente baixa) e o nível de confiança chegue a 95% (relativamente alto). A Datafolha mais recente ouviu 2.556 eleitores em 181 municípios. Já o Ipec (antigo Ibope) entrevistou 2.002 pessoas em 144 cidades. Em geral, vale ficar atento se o nível de confiança for inferior a 95%. É um sinal de alerta de que a amostra pode não ter sido bem calibrada.
Por que a rejeição dos candidatos é importante? Como esse aspecto deve ser analisado? A rejeição é importantíssima porque ajuda a mostrar o quanto uma pessoa ainda pode mudar de opinião e apoiar um determinado candidato. Se a gente olhar para a Datafolha, o ex-presidente Lula tem 44% das intenções de voto e uma rejeição 37%. Isso quer dizer que 81% dos eleitores ou já escolheram votar nele ou não votariam de jeito nenhum. O que deixa um espaço de apenas 19% de pessoas que, apesar de não terem preferência por ele nesse momento, poderiam votar nele dependendo do contexto da eleição.
Claro que a rejeição pode mudar ao longo do tempo e candidatos fazem vários movimentos para tentar reduzi-la (como atrair um político de centro para a vice). Mas quanto mais alta, mais nociva ela se torna. E mais distante o candidato pode ficar da faixa presidencial. Especialmente no nosso sistema eleitoral de dois turnos. O modo como a eleição brasileira funciona prevê que o eleitor vai votar no seu candidato do coração no primeiro turno e votar para derrotar um adversário no segundo. Nessa nova etapa da disputa, a rejeição pode ser o que vai separar o eleito do derrotado. E, só para não esquecer, todas as eleições presidenciais brasileiras dos últimos 20 anos, desde 2002, foram para o segundo turno.