Matando desertos de notícias
Mariama Correia fala sobre o desafio de mapear veículos de imprensa no Nordeste
A imagem que abre essa edição da Catolé é de Porto de Galinhas, um famoso balneário turístico situado em Ipojuca, 11ª maior cidade de Pernambuco, com quase cem mil habitantes. O município, que teve o terceiro maior PIB de Pernambuco em 2019, último ano apurado pela Agência Estadual de Planejamento (Condepe/Fidem), concentra alguns dos principais empreendimentos industriais do Estado, como a Refinaria Abreu e Lima (Rnest) da Petrobras e o Estaleiro Atlântico Sul. É também um deserto de notícias, segundo levantamento do Atlas da Notícia, o que significa que não há veículo de mídia, tradicional ou nativo digital, sediado em Ipojuca.
Não é o único. Embora o cenário no Nordeste tenha melhorado, com o surgimento de veículos informativos em 71 novos municípios, 62,4% de todas as cidades da região seguem sem possuir fonte própria de informação. Ao todo, são 14,7 milhões de nordestinos desassistidos. Mas já foi pior. Há três anos, 73,5% dos municípios do Nordeste eram desertos noticiosos, o pior resultado do Brasil. Hoje, a região está ligeiramente atrás do Norte do país, que tem 63,1% de desertos.
“A redução dos desertos de notícia no Nordeste se deve ao avanço de veículos nativos digitais. Tanto sites, portais de notícias, como também veículos que nascem nas redes sociais. Por exemplo, canais no YouTube, páginas de notícias no Facebook e no Instagram. Esses veículos têm contribuído para reduzir o tamanho dos desertos de notícias com produção de conteúdo local, com cobertura jornalística, para pessoas dessas comunidades”, explica Mariama Correia, repórter da Agência Pública e pesquisadora do Atlas no Nordeste.
Além disso, ela conta que a produção de conteúdo jornalístico local em rádios comunitárias também contribuíram para reduzir os desertos de notícia na região. Nesses casos, há uma convergência entre o envio do sinal desses veículos pelo rádio e, ao mesmo tempo, a transmissão da programação por plataformas digitais, como o Facebook e o YouTube. Elas foram fundamentais, por exemplo, para informar às populações locais sobre as orientações de saúde e sobre as regras de vacinação durante a pandemia.
O esforço de mapear essas iniciativas de mídia e entender onde estão localizados esses vazios de informação local não é à toa. “Para a pesquisa do Atlas, os desertos de notícias são lugares onde não foi mapeada iniciativa de jornalismo local. Ou seja, nesses lugares as pessoas não têm acesso a um veículo que faça uma cobertura jornalística das informações da sua cidade. Por exemplo, a questão da vacinação, do acesso a creches e escolas públicas. Eles não têm um veículo que possa denunciar problemas de saneamento no seu município. Ou que possa fiscalizar a atuação da prefeitura, os gastos públicos, as câmaras municipais”, lembra Mariama.
Na prática, isso significa que esses milhões de nordestinos acabam sendo mais informados sobre o que acontece no Rio de Janeiro, em Brasília ou São Paulo, através da televisão, do que sobre a vida cívica da sua cidade, ela explica. “E aí, muitas vezes, as informações acabam vindo muito também pelo WhatsApp, pelas redes sociais. Então as populações que vivem nos desertos de notícias são extremamente vulneráveis à desinformação. Isso é um grande problema em ano eleitoral. A gente sabe do papel das desinformações nas últimas campanhas e sabe que essas redes de desinformação estarão mais atuantes do que nunca durante as eleições presidenciais deste ano. Então a importância do jornalismo local se mostra, mais uma vez, por esse papel de fiscalizar o poder público, de esclarecer e orientar a população”, alerta.
Mas acabar com esses desertos não é tarefa fácil. Para Mariama, isso passa por um estímulo do jornalismo local de qualidade. E aí, ela projeta dois caminhos principais. O primeiro, é a formação de novos jornalistas e comunicadores, não só a partir do fortalecimento dos cursos de graduação que já existem na região, mas também com a oferta de capacitação profissional para comunicadores. O outro - e talvez mais difícil - é garantir o financiamento desses veículos locais.
“Em municípios menores, manter um veículo local que faça uma cobertura jornalística de qualidade é muito difícil porque você tem justamente essa barreira de sustentabilidade financeira. No Nordeste, o que a gente vê é que projetos de jornalismo independente enfrentam também muitas dificuldades de alcançar financiamentos que muitas vezes são concentrados na região Sudeste. Então é importante descentralizar essas oportunidades”, defende Mariama.
Em Pernambuco, um projeto importante para conectar iniciativas locais acaba de ser lançado pela Marco Zero Conteúdo: o Mapa da Mídia Independente e Popular. O foco é em iniciativas que atuam em comunidades periféricas. Até agora, 46 coletivos foram mapeados, do litoral ao Sertão do Estado. Metade deles é tocado por, no máximo, cinco integrantes. Os principais temas trabalhados são a questão racial (17,5%), cultura e entretenimento (12,5%), notícias locais (10%) e a questão indígena (10%).
Assim como demonstra a tendência do Atlas da Notícia, esses grupos atuam principalmente no meio digital. O Intagram (36) é o principal meio de distribuição do conteúdo, seguido de blogs (25), WhatsApp (21), Twitter (21) e revistas de bairro (21).
O financiamento também é um problema. A principal fonte de recursos desses coletivos são dinheiro dos próprios integrantes (29). O financiamento via editais vem em segundo lugar (24). Apenas cinco recebem publicidade. E dois têm um esquema de assinaturas. “A falta de estrutura e de recursos também compromete os processos de formação e capacitação na área de comunicação, mesmo em um ambiente bastante colaborativo como o da mídia independente; além de precarizar as ofertas de trabalho na área; e prejudicar, quando não inviabilizar, a aquisição de equipamentos e ferramentas tecnológicas mais modernos”, diz o relatório da Marco Zero.