Menos de 12% dos treinamentos em jornalismo de dados no Brasil estão no Nordeste
Nenhum deles está em Pernambuco. Mas nós estamos trabalhando para mudar isso
Estamos mal. Enquanto o trabalho com dados se tornava central na produção jornalística do Brasil e do mundo, nós oferecemos pouquíssimo treinamento para os nossos estudantes. Felizmente, estamos correndo atrás desse prejuízo. Como? Leia nesta edição da Catolé.
Existem pelo menos 52 escolas e universidades que oferecem treinamento em jornalismo guiado por dados no Brasil. Mas só seis delas estão localizadas no Nordeste; o que dá menos de 12% do total. Nenhuma é sediada em Pernambuco.
Os números, que dão conta do tamanho do abismo que o Nordeste tem para ingressar nessa área, foram compilados pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) entre 2018 e 2019. O resultado da pesquisa foi apresentado no último dia 29, durante a 3ª edição do Domingo com Dados, por Marcelo Träsel, presidente da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo). “Essa especialidade está no início de sua implementação nos currículos universitários brasileiros”, ele ressaltou.
De fato, desde que o levantamento foi concluído, pelo menos duas importantes iniciativas surgiram no Brasil: as pós-graduações do Insper (SP) e do IDP (DF). Hoje, ao lado da Escola de Dados (SP), elas talvez sejam as principais formações nessa área no país.
Mas essa é uma newsletter sobre o Nordeste; e o Nordeste aparece mal nesse levantamento. Muito mal, por sinal. Há três cursos no Maranhão, dois no Ceará e um na Paraíba. Mesmo que outras iniciativas tenham passado abaixo do radar do estudo gaúcho, é seguro dizer que estamos longe do nosso potencial. Para citar dois exemplos, Recife (PE) e Campina Grande (PB) são dois importantes pólos tecnológicos do país.
Mas não basta mandar os nossos jornalistas para a faculdade de computação. Na verdade, isso é o oposto do que precisamos fazer.
“Ao ensinar nossos estudantes a programar, é importante ensiná-los como jornalistas, não como um estudante de computação numa faculdade de TI. Porque nós não estamos ensinando essas pessoas a serem desenvolvedores web; a escrever o programa perfeito. Nós estamos ensinando eles a escrever um programa enquanto enfrentam um deadline para contar uma história. E isso normalmente significa copiar pedaços de outros códigos, tentar qualquer coisa que vá funcionar, mesmo que não brilhantemente, ou que um programador profissional possa olhar e dizer que há muito a ser melhorado”, afirmou em sua apresentação no Domingo com Dados o professor Paul Bradshaw, diretor do mestrado em Jornalismo de Dados da Birmingham City University, no Reino Unido, e, provavelmente, um dos mais influentes pesquisadores nessa área (confira as apresentações dele e do Träsel).
Mas, então, o que nós temos feito?
Em Pernambuco, felizmente, nós estamos erguendo as mangas e agarrando no braço a próxima geração de jornalistas. Quando eu deixei a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em abril de 2015, isso não era sequer um tópico nas aulas. Um ano depois, porém, eles criaram um grupo de pesquisa em design da informação, que introduziu o debate sobre o jornalismo de dados. Desde 2017, a disciplina de Visualização de Dados se tornou uma eletiva da pós-graduação. Há poucos dias, o professor Rodrigo Cunha anunciou a abertura de uma vaga para mestrando e outra para doutorando dispostos a pesquisar sobre dados e visualização.
Ainda no nível da pós-graduação, a Universidade Católica de Pernambuco oferece as cadeiras de Introdução à Análise de Dados para Jornalismo e Design da Informação e Visualização de Dados dentro da pós-graduação em Jornalismo Independente.
No plano das universidades particulares, a UniFBV oferece uma disciplina de Jornalismo de Dados e Algoritmos na graduação. A Unibra promoveu um seminário sobre essa especialidade em 2020, do qual eu tive a honra de participar. E segundo Alice de Souza, que é parte da comunidade da Catolé, eles também têm uma cadeira na graduação.
Um novo marco parece estar próximo, com o lançamento do que, até onde eu sei, é o primeiro treinamento inteiramente focado em jornalismo de dados do Estado, a partir de novembro, pela Fafire. “Nosso curso tem foco na formação do profissional de jornalismo, que sabe traduzir dados em informações, e também para o público em geral, que deseja contribuir com o processo de transparência. Está sendo ofertado dentro de uma plataforma inovadora”, me disse Taciane Giarelli, coordenadora administrativa da Fafiretech. “O objetivo é formar profissionais qualificados e versáteis, capazes de desempenharem suas funções com segurança e eficiência, aumentando, dessa forma, a inserção no mercado”, ela explica.
Segundo a pesquisa da UFRGS, 21 entre 25 líderes de cursos sobre jornalismo de dados no Brasil apontaram a receptividade do mercado profissional como importante ou fundamental para o ensino dessas técnicas.
O surgimento de cursos e programas para ensinar nossos jornalistas a trabalhar com computação e análise de dados parece, portanto, prenunciar uma latente revolução na forma como o jornalismo local lidará com essa produção. Se essa mudança de cultura se dará a partir de uma visão estratégica das redações ou por uma demanda dos próprios profissionais (como sugeriu Luisa Farias na nossa última edição), parece cedo para dizer. Mas é possível supor que, assim como não há hoje quem faça jornalismo sem produção para mídias sociais e fact-checking, num futuro breve não haverá jornalismo que não envolva, em algum nível, o trabalho com dados.
Parafraseando a professora Lucia Santaella, por que haveremos nós, os nordestinos, de cruzar os braços à espera do resto de conhecimento que os outros poderão, porventura, nos deixar de sobra?
Nos últimos anos, ajudar a alimentar esse ambiente do trabalho jornalístico com dados se tornou uma pequena obsessão deste autor. Por isso, eu adoraria ouvir a sua ideia do que é possível fazer para avançarmos nessa direção.
Podcast SCT: Já que eu falei acima do professor Rodrigo Cunha, a indicação de hoje vai ser a entrevista dele para o podcast Sociedade, Cultura e Tecnologia, do professor Paulo Victor Sousa, da Universidade Federal do Ceará (UFC) em Quixadá. Na conversa, ele fala não só sobre como o jornalismo de dados se tornou importante para a profissão, mas também sobre os desafios de ensinar técnicas do trabalho computacional para os estudantes que, muitas vezes, querem se especializar em outras áreas.