O único nordestino
Lucas Barbosa, do jornal O Povo, do Ceará, representa a região no Prêmio Cláudio Weber Abramo de 2021
Nesta edição, a Catolé sai de Pernambuco e desembarca no Ceará, para contar como o trabalho de dados de lá tem orgulhado todo o Nordeste.
Cento e doze pessoas foram assassinadas em Fortaleza nos 12 dias em que os policiais militares do Ceará cruzaram os braços em 2020, numa paralisação com repercussões nacionais. O motim foi o estopim de um ano especialmente horripilante para os cearenses, com um histórico aumento de 78% no número de homicídios. Um ano depois, em março deste ano, apenas 11 dessas mortes haviam chegado ao estado de denúncia pelo Ministério Público local; menos de 10% do total.
A gente só sabe disso graças ao trabalho de um repórter, Lucas Barbosa, do Povo. Ele é o único jornalista de um veículo do Nordeste entre os 14 finalistas do Prêmio Cláudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados de 2021, cujo resultado será anunciado no próximo sábado (13).
“Em fevereiro de 2021, quando a gente teve o motim da PM, foi o mês mais violento da história do Ceará. Foi um ponto muito fora da curva. Por isso, já sabíamos que, quando completasse um ano, precisaríamos voltar nessa história e tentar entender o que aconteceu. Existem algumas versões possíveis. Até hoje, o Governo do Estado alega que as facções voltaram a atuar e que o motim desestabilizou toda a estratégia da segurança pública. É verdade que elas se tornaram mais ativas, mas isso não explica tudo”, ele contou à Catolé.
O desafio era que não havia uma base de dados pública sobre a situação judicial dos crimes. Lucas teve que construí-la do zero, a partir de buscas ao sistema de consulta de processos do Tribunal de Justiça do Ceará. “Eu já tinha tentado solicitar esses dados à Secretaria de Segurança. Mas eles sempre negaram. Ora dizendo que essas informações eram estratégicas, ora que os inquéritos exigem sigilo. Então, a solução que eu achei foi procurar, de um por um, os inquéritos. Usando os sistemas judiciais, mas também agregadores como o JusBrasil. E ir preenchendo esses dados todos numa planilha. Escolhi falar apenas de Fortaleza, porque era mais fácil os inquéritos daqui estarem judicializados, do que os do interior”, explicou.
O trabalho de Lucas expõe a falta de explicação para o completo absurdo. Em fevereiro de 2020, quando houve o motim, o número de homicídios na Região Metropolitana de Fortaleza foi 275% maior do que no mesmo mês de 2019. Em outubro, o Governo do Ceará já considerava que os efeitos do motim haviam ficado para trás. Quando a reportagem foi publicada, no início deste ano, porém, o Estado enfrentava 13 meses seguidos de aumento nos assassinatos; o que mostra que o problema é mais complexo.
“Nós temos, inclusive, uma CPI aqui para apurar a atuação dessas facções. E eles podiam se debruçar sobre outros aspectos. Esse levantamento que está concorrendo ao prêmio foi o principal, mas existem outras matérias. Uma delas, inclusive, discutindo se houve uma ‘greve branca’ (dos policiais) após o motim. O que é algo muito grave. Mas infelizmente, não é nada muito fora do normal o que eu relatei ali. O índice de resolução de homicídios aqui no Ceará ainda é muito baixo”, diz o jornalista.
Desde a primeira edição do Weber Abramo, em 2019, 38 trabalhos já disputaram o prêmio. A reportagem de Lucas é apenas a terceira de um veículo nordestino. Antes dela, no ano inicial, chegaram à final o especial #UmaPorUma, do Jornal do Commercio (PE), e uma investigação sobre poços do Dnocs não instalados, do Diário do Nordeste (CE). Nenhuma das duas levou o troféu. Em 2020, segundo ano do prêmio, o Nordeste não concorreu.
“Eu acho que é um pouco resultado da falta de treinamentos que a gente ainda tem aqui. Pelo menos em comparação com o Eixo Sul-Sudeste-Brasília. Eu saí da faculdade em 2017, e não tive nenhum treinamento específico do tipo”, argumenta Lucas. “Quando submeti (a matéria), nem tinha certeza se ela se enquadrava. E estou lá, concorrendo com matérias que abalaram a República”, ele diz.
Apesar disso, ele prevê um futuro promissor para o campo no Nordeste. Reflexo de um conjunto de ações coordenadas, como a criação da editoria de dados no Povo durante a pandemia. “Acho que tende a crescer muito. Aqui no Povo, temos um núcleo de dados. O Diário do Nordeste também tem. Além disso, eu vejo as faculdades mais ligadas nesse tipo de produção. Isso deve fazer com que nós tenhamos cada vez mais trabalhos”, acredita.
Litrômetro: Desde dezembro de 2018, a Agência Tatu, de Alagoas, acompanha diariamente o preço da gasolina cobrado nos postos de combustível de Maceió, a capital do estado. O gráfico deles mostra como houve uma escalada íngreme a partir de janeiro deste ano.