Jornalismo de dados engajado contra a violência
Você também pode fazer parte do legado do DDJ em Pernambuco na área de segurança pública
Nos quatro primeiros meses deste ano, 1.279 pessoas foram assassinadas em Pernambuco, segundo a Secretaria de Defesa Social (SDS). Isso equivale a um homicídio a cada 2 horas e 15 minutos em solo pernambucano. Explicar o horror da violência está no DNA do jornalismo de dados feito no Estado. E, até o final deste texto, vou te contar como você pode passar a fazer parte dessa história.
Mas antes, é preciso lembrar de um tempo em que mesmo números como os que abrem essa edição eram inacessíveis e não confiáveis. O primeiro grande projeto de jornalismo de dados em Pernambuco nasceu em 2007 sob o nome de PE Body Count. Diariamente, quatro repórteres apuravam diretamente em fontes como delegacias, hospitais e no Instituto Médico Legal (IML), quantas pessoas haviam sido assassinadas no Estado; algo que deveria ser a função do poder público.
“A gente decidiu fazer uma contagem porque naquela época os dados sobre homicídios não eram transparentes. A gente precisava saber quem, onde, a circunstância do crime, a arma que foi utilizada, a qualificação da vítima, quem é essa vítima. A gente não tinha isso”, conta João Valadares, um dos fundadores do projeto. Nascido como uma ferramenta para pressionar o poder público, o PE Body Count foi alvo das mais diversas críticas. Mas, com o tempo, a solidez da base de dados levantada pela equipe se provou incontestável.
“O que nos movia era mostrar que Pernambuco estava sangrando. E muito! Havia à época – e eu acho que ainda há –, um discurso mais fácil de que a violência é um problema nacional, está em todos os estados. Mas a gente queria dizer que é um problema que está aqui. E que precisa ser resolvido aqui. A gente precisava dizer que morria tantas pessoas todos os dias com o mesmo perfil e sem nenhum tipo de acompanhamento do inquérito policial, a quantidade enorme de inquéritos que sequer era instalado e, mesmo os que eram, a grande maioria, como é até hoje, era remetido sem autoria”, lembra Valadares.
Talvez o maior trunfo do PE Body Count tenha sido não ter ficado dentro da redação, mas ocupado as ruas. Um contador de corpos foi colocado em uma avenida do Recife. Padres passaram a ler os nomes dos mortos durante as missas dos domingos. Cruzes foram afixadas nas praias; e um mar de lágrimas feitas com lenços brancos tomaram o Pátio do Carmo. Por um mês, os repórteres foram a todas as ruas onde os assassinatos haviam acontecido no Recife para pintar o chão com tinta vermelha, para simbolizar a perda de uma vida – em alguns casos, chegando antes mesmo da polícia.
“A gente inaugurou em Pernambuco um tipo de jornalismo diferente. Que pouca gente estava acostumado. Não havia aquele distanciamento que a gente aprende na faculdade, que você precisa se distanciar para entender melhor o fato. A gente fez o contrário, um jornalismo de envolvimento, de aproximação. Muitas vezes algumas pessoas falavam que era um jornalismo militante dessa causa. E poderia ser. A gente tomou um lado e levantou uma bandeira para dizer: a gente não pode continuar assim”, diz Valadares.
Depois de três anos e quatro meses, o PE Body Count encerrou suas atividades por falta de financiamento. Mas deixou um legado de abertura de dados públicos na área de segurança, com transparência diária. Algo que mais tarde foi desfeito no governo Paulo Câmara (PSB), quando o número de homicídios atingiu o pico histórico, em 2017.
É nessa época, não só de explosão no número de homicídios, mas também de retrocesso na transparência, que o Fogo Cruzado chega à Região Metropolitana de Recife (RMR). O projeto, que registra a violência armada, desembarcou por aqui em abril de 2018, sendo a primeira expansão após ser formado no Rio de Janeiro. Entre janeiro e abril deste ano, eles registraram 644 tiroteios na RMR, com 502 mortos e 243 feridos.
No mesmo ano da chegada do Fogo Cruzado, as mulheres do #UmaPorUma estavam contando a história de cada mulher assassinada em Pernambuco. Entre janeiro e dezembro de 2018, elas registraram 241 mulheres mortas no Estado – 84 delas, vítimas de feminicídio. Além de narrar a história de vida dessas pernambucanas, o projeto ainda acompanhou, por dois anos, o andamento da investigação, inquérito e processo judicial. Até dezembro de 2019, apenas 12 crimes foram julgados.
Como fazer parte dessa história?
Se você se sentiu inspirado por esses três projetos, saiba que você também tem a chance de fazer parte da história do jornalismo de dados pernambucano. Em parceria com o Fogo Cruzado, a Escola de Dados está com inscrições abertas para dois cursos gratuitos sobre dados e segurança pública. Os treinamentos são 100% gratuitos e online. Podem se inscrever comunicadores de sete estados (4 deles no Nordeste): Rio de Janeiro, Bahia, Pará, Pernambuco, Amazonas, Ceará e Rio Grande do Norte.
O primeiro curso é o "Dados e Segurança Pública", que ocorrerá entre 11 de julho e 15 de agosto. O segundo, "Política de Armas e Munições", vai ocorrer entre 22 de agosto e 26 de setembro. Além de jornalistas e comunicadores populares, ativistas e integrantes de organizações da sociedade civil que atuem no debate sobre segurança pública, direitos humanos ou acesso à informação também podem se inscrever. Saiba mais aqui.
Vale lembrar que essa é a segunda vez que o Fogo Cruzado treina jornalistas de Pernambuco para trabalhar com dados e segurança pública. A Jeniffer Oliveira, que participou do curso ofertado aqui, em parceria com a Marco Zero Conteúdo e a Universidade Católica de Pernambuco, escreveu sobre essa experiência para a Catolé em março.